segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Festa do Senhor do Bonfim

A devoção do Senhor do Bonfim é uma das mais difundidas na Bahia entre as pessoas de todas as classes sociais. O introdutor deste culto na Bahia, Theodózio Rodrigues, era, ao mesmo tempo, Capitão de Guerra e Mar, proprietário de três navios que faziam tráfico na costa da África e membro do Comitê de Administração do Fumo. Ele trouxe de Setúbal, Portugal, em 1745, a imagem do Senhor crucificado que domina o altar mor da atual igreja, construída no local onde Theodózio fizera erigir uma modesta capela em 1751. Wanderley Pinho descreveu a festado Senhor do Bonfim nos seguintes termos: “Por todo o mês a sociedade baiana se reunia para as novenas do Bonfim, da Guia e de São Gonçalo. Ali se achava toda a Bahia, em volta da capela, na colina de Itapagipe. Mais de 30.000 pessoas aglomeradas, vindas das mais longínquas regiões da Província. A fina flor da sociedade se reúne, após os eloqüentes sermões nas casas, construídas à volta da colina sagrada para as diversões, banquetes e danças. O panorama que se avista do alto é único, abrangendo a cidade e a Ilha de Itaparica. As tardes são deliciosamente frescas quando os ventos começam a soprar, agitando as bandeirolas, brincando com a crinolina das damas e ameaçando arrebatar-lhes as sombrinhas, talvez menores que os chapéus inclinados sobre as tranças do penteado. Cavaleiros em corcéis ajaezados em prata, filhos dos senhores de engenho, a gente rica do Comércio, exibindo o luxo de suas vestimentas. As cadeiras de arruar sobem a colina da Igreja balançadas ao ritmo oscilante do caminhar dos lacaios, enquanto que em baixo, as carruagens e liteiras despejam damas elegantes, abafadas entre plumas, leques, espartilhos, tufos, folhos e refolhos, vidrilhos, pendentes e frisados. O povo subia em chusmas trazido pelos vapores ao porto do Bonfim para encher a praça e as ruas de ruídos e danças”.

Outros vêm a pé “pagar uma promessa” feita ao Senhor do Bonfim e agradecer-Lhe por Sua miraculosa intervenção nas circunstâncias as mais diversas. Uma sala da igreja é completamente cheia de ex-votos e de lembranças de agradecimento. Desenhos e pinturas “naifs” (primitivistas) mostram de quais desastres e acidentes, doenças e perigos os devotos do Senhor do Bonfim escaparam. Braços, pernas, seios, corações e outros órgãos internos ou externos esculpidos em madeira ou fundidos em cera estão pendurados no teto. Um amontoado de muletas é outro testemunho das graças concedidas pelo Senhor do Bonfim. Os marinheiros vêm descalços trazer uma vela de navio negreiro toda enguirlandada de flores para benzer e assegurar, assim, uma pacífica e proveitosa viagem [...] Na quinta-feira que precede o domingo do Senhor do Bonfim, a lavagem do chão da igreja torna-se uma manifestação de piedade cumprida por uma multidão. Mas os que se apressam em maior número são os pretos, escravos e livres, porque o fenômeno de sincretismo ocorre também para o Senhor do Bonfim. Ele é confundido, por aqueles que praticam os cultos africanos, com Oxalá, divindade da criação. Lavar a igreja é, pois, para eles a ocasião de manifestar ao mesmo tempo piedade católica e fé africana [...] Na quinta-feira da lavagem da Igreja do Bonfim uma longa procissão se organiza diante da Igreja da Conceição. Ela é formada de numerosas mulheres de cor vestidas com suas belas roupas tradicionais, amplas saias e chalés, ornados de rendas e bordados, um turbante amarrado em volta dos cabelos, tudo exclusivamente branco, cor consagrada ao Deus africano Oxalá. Elas carregam sobre a cabeça potes cheios d’água e flores brancas e são acompanhadas por uma escolta de carros e carroças decoradas de bandeirolas e serpentinas brancas. Este brilhante cortejo vai a pé pelas avenidas recém traçadas, em direção da colina na península de Itapagipe, onde se eleva a Igreja do Senhor do Bonfim. Durante a lavagem do solo do templo ouvem-se cantos e gritos sonoros. A água é derramada dos potes trazidos pelas mulheres e de pequenos tonéis, transportados em burros. As baianas esfregam energicamente o chão, com vassouras decoradas de fitas brancas [...] A festa só vai terminar na segunda-feira seguinte por uma reunião na vizinha Ribeira. Neste dia o comércio está paralisado, os escritórios fechados, a cidade inteira cai num silêncio total (por Pierre Verger. In: Notícias da Bahia – 1850).
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Imagem: Igreja do Bonfim (Salvador-BA), acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

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